sábado, 3 de abril de 2010

Apesar de... paixão.


Sempre desconfiei que possível seria somente se por paixão.
Se a ela me entregasse. Se a ela me reduzisse. Se com ela ousasse ser.
Paixão que insistia em despertar-se no crucial e sem sossego, escrever.
Pedia por todos os lugares dali. Não lhe bastava um só.
Só um sujeito. Só uma cara. Só uma sozinha solidão, só um organismo vivo, só aquela passagem, só o entorno de tudo o que se sabe palavra.
Insatisfeita e trêmula paixão, de minha escrita queria tudo.
Queria o verso, a prosa, o enigma, o fogo, as raízes e as mãos.
Se a ele me entregasse?
Talvez precissase me lavar, banhar-me de cores líquidas, para ouvir seu chamado confuso que me suspendia para além de mim.
Alguém para amparar a pressão dos olhos daquela paixão, depositados sobre as páginas que tentava desenhar. Um co autor, um leitor desavisado, uma janela aberta, um navio a partir? Um toque.
Perguntava-me, já quase cansada em ter-te por perto, de onde tinhas nascido e como viera parar ali, em mim?
Exigia-me o impossível, não vias?
A troca.
O verbo desfeito, os cabelos desarranjados, os laços rompidos, as indicações apagadas.
Tive, confesso, como os que morrem de medo de terminar, vontade de chorar. Havias pedido de mim, o mais caro artigo do qual dispunha.
Não, minha escrita, não.
Para onde a levarás? Se for nos lançar ao mar, paixão, qual garantia teremos, eu e ela, nós?
Perguntas circulares que também carregavam meu corpo por linhas circulares.
Perguntas que pararam de respirar.
Aquietaram-se num canto, feito bicho ferido, e logo se distraíram com outras conversas.
Meu coração palpitava por números, letras, sons, discursos entrecortados, sombras e paradas.
Perdi a cosnciência. Fui contaminada!
Na verdade, a paixão jamais tivera dado-me escolhas.
Esteve sempre ali, à espreita.
Encolhida em silêncio, por vezes, fazendo-se pouco notar, porém, incrustada em mim, em meus tecidos, desde do dia em que me vi gente.
Mesmo furiosa e intranquila, vivia para me causar. Arrebatar-me até que estivesse transformada em poesia:
"eu" de matéria prima poética.
Sim! Por paixão iria. Não defendo a escrita de ti. Nunca assim o fiz, mesmo quando temerosa e cheia de vontade de me esconder.
Sempre estive à margem de ti, paixão, e minha escrita por caminho similar seguiu.
Tú que impulsionas e cuida. Desfere golpes, ensina-me por dessaranjos. Exila-me do reino que marcha sempre para o rumo certo do sol
e cuida.
Já não mais me entendo... se começo, meio ou fim e não me considero apenas feita das mazelas da paixão que escreve.
Sou essa escrita apaixonada e cada vez menos, sou quem escreve. O que sou é este impulso, essa energia incalculável que se é, na medida do que nem nome tem. Sou sem querer para mim, sem aprisionar.
Sou exatamente no ponto onde minha escrita se desalinha.
(Daqui posso ver seu contorno se desmanchando, sem maiores nostalgias pelo que está supostamente se perdendo, posto que vibra ao chamamento de criar.)
Agora descanso.
Calmaria breve ou um entre atos.
Preciso novamente de água, de uma entrada totalmente exposta ao mar, ao cheiro do mar.
Não existo mais.
Somente minha escrita que não é centro, eixo, trono, mas que esparrama-se numa composição infinita.
Escrita disparada pela paixão e que não quer cessar.
Nada se assemelha a um produto pronto.
Uma paixão que põe seu acento nessa lida que é a escrita, neste processo, no trabalho de inventá-la, neste estado mágico que sofre a interferência do todo e do resto.
Escrita que quero, que desejo, que arrisco,
que cometo.
Que não se sabe, senão por paixão.