terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Entre sem bater


Esta noite acordei atravessada por poesia.
Nascida não sei bem de onde.
Mas, carecia de um dengo.
Coisa de amor.

Pegou-me em meio a um sonho apressado
e quase nem consegui dar-lhe a atenção merecida.

Hora cedo, hora tarde
essa dorminhoca apruma e salta pra longe dessa preguiça.

Quanta indelicadeza a minha, mas é que estava num ritmo amarelinho do sono,
tinha sol e depois barulho de chuva,
rodopios e língua de sogra.
Sobrou pouco espaço pras coisas daqui de fora.

Poesia de coração partido.
Parecia que tinha perdido o gosto e as fitas coloridas.
Foi ficando magrinha, fininha, porque estava desaprendendo as cantigas e as surpresas.
De serelepe mesmo só restou a voz afobada que usou para salpicar essa nossa conversinha-de-porta-da-manhã.
Engraçado! Sempre pensei que poesia era vai e volta,
que corria mais que menino atrás de bola e que nem tinha tempo em branco para amarrar tristeza.
Sem perceber já estava eu sobrecarregando a tal com pilhas de incumbências e velocidades mil.

Certo era, que minha poesia estava amadurecendo, criando viço novo,
borboleteando navegações imprevisíveis
e tudo o que eu queria era dizer:
Deixe disso, pequena! Vou logo te abraçar
e verás que coração quebrado a gente remenda é com fio de ternura
escolhendo ainda, se necessário, um botão de tímida beleza pra enfeitar este semblante de quem gosta dos quintais.

Tú sabes, poesia repentina, que nascestes de pé de pimenteira
com raminhos de cor verde-alecrim
e que podes deslizar por aí sem planos feitos.
És amiga da lua e da vida, e quando fores sem retorno breve
elas me contarão suas fabulices e encantos.
Até que pules novamente sobre meu cobertor e em tom de charada, diga:
Adivinhas quem aqui está?!
Sem abrir os olhos, meu despertar vai responder
que a poesia-pivete voltou e que já nem se lembra mais dos caquinhos de outrora.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Sutilezas de ti que ainda nem sei


(Prelúdio)

Enfim, nos encontramos com a aconchegante experiência de um impessoal.
Era uma sensação que arrebatava todas as memórias que guardávamos até ali e que estavam apenas esperando o momento certo para serem utilizadas de novo.
Experiência impessoal que resistia a essa nossa mania de criarmos uma "dispensa de sentimentos". Quase como ervilhas em conserva.
Ficamos à espreita, feito caçador de ouvido atento, e ao primeiro sinal da chegada de um acontecimento da espécie novus criativus, bravamente lançamos mão de nosso sentimento-ervilha e aniquilamos a inconveniente caça.
Assim vamos arquivando os sentimentos, colocando-os em pastas ordenadas pelo alfabeto e dependendo do que a situação lá fora peça, já sabemos o que usar.
A partir do momento em que deixamos as fôrmas, os deveres e as identidades se apagando, respiramos outros ares. Tocamos novas águas.
Nos enfeitamos para a vida.


Em qual sentido começas a desabotoar a camisa depois de feito o dia ensolarado?
Se esticas bem o corpo na cama pro sonho ter mais espaço de caminhar?
Será que batizas as ruas de onde mora e por onde passas à noite com algumas de suas músicas preferidas? (Cada rua tem mesmo uma canção!)
Consegues saber qual pássaro canta apenas ouvindo-o de sua janela?
Passados alguns dias, pensas nos motivos de sentarmos sempre no mesmo lugar na mesa de café?
Ao atravessar aquela passarela comprida no jardim do centro da cidade preferes ir andando de olhos fechados e depois, os abrir de supetão só para ver o que mudou?
Tens medo de dizer que está com medo por não saber se vamos continuar sorrindo assim até tempos mais tarde?
Sem perceber, acabas sempre lendo o jornal ou a revista de trás pra frente e ao chegar na capa, olha pro lado discretamente para ver se ninguém em volta reparou seu hábito deveras desnorteado?
Sentas no ônibus e se perde em pensamentos tentando adivinhar como se chama, onde trabalha e o que a pessoa que viaja ao seu lado pede como desejo a uma estrela que vê nascendo no céu?
Quando chegas em casa e encontras na geladeira seu doce preferido, se detém durante 15 segundos para olhar e tentar descobrir se é mesmo verdade que ele esteja ali e logo após, com o coração balançando, agradece aos Deuses pela invenção do chocolate?
Se algum dos dedos de seu pé tem um formato esquisito, diferente dos outros?

Essa sou eu. Tateando seu espaço, sem medo algum de me perder,
querendo conhecer-te em sutilezas
para não mais saber quem és.

Ainda nem sei...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

De onde viemos?

No princípio era mesmo um Sorriso.
Esta pequena proeza, quase sempre desavergonhada, sabia como poucos tumultuar o mundo recém-inaugurado,

e ele – como a maioria dos gigantes – esbravejava e ardia numa raiva emburrada daquele tal Sorriso que parecia por nada se responsabilizar.

Os sorrisos jamais diziam não serem espoletas e a despreocupação que carregavam consigo vinha da sensação brusca que lhes avisava que tinham sido criados juntinho com o mundo. Sem intervalos entre ambos.

Mundosorriso para além dos hífens.

Por isso, sorrisos não se irritavam com a rabugentice do mundo, afinal eles sabiam que eram feitos da mesma matéria prima,
de óleo colorido
de bolhas de sabão
de feixes de alegria

Sorrisos pegavam o mundo de surpresa e se enrolavam em seu pescoço, feito cachecol, para que de propósito, os homens - futuros habitantes dali - quando chegassem, não mais pudessem reconhecer quem era o que e como,
ou onde começava mundo e chegava sorriso.

E mesmo com a cara feia que o mundo insistia revelar em certas circunstâncias, os sorrisos provocavam belezas neste teimoso.
Ali se dava a sublime criação! Ali se dava uma imensa explosão e...
Aqui estamos!!
Filhos de sorrisos e mundos,
dessa alquimia ininteligível e farta de surpresas e brilhos.