sexta-feira, 11 de março de 2011

No dia do aniversário

Aquilo que nem meu é. Armadilha. Atrapalho. Não importa tanto. Resolvi ainda assim trazê-lo. Quero dar-lhe a ti.
Acho que meu amigo irá entender. Em tão pouco tempo tive vontade de dizer Cortázar a você

"Toco sua boca. Com o dedo toco o canto da sua boca. Vou desenhando-a como se saísse da minha mão".

Brindemos, então. Não se assuste. Por vezes, elas são assim. Existem por puro capricho ou nem existem e já nos fazem querer voar. Vamos jogar? Existirnãoexistir desistirpersisitir
RESISTIR
Não se canse. De dia, tudo ainda estará tão fora do lugar quanto assim deixamos. Trombaremos com elas nas mediações da sala e você se irritará. Nada de sossegos hoje, meu bem. Trocarei a lâmpada por uma música lenta rodando na vitrola. Não quero dormir e admito incongruências. E se eu te gritar da janela, vereis tú, escorregando de minha boca e peço-te que me atendas. Faria-me feliz por um intervalo de vida inteiro. Curtíssimo. Vou me vestir e prenderei os cabelos. Não muito. Algumas mechas vão ficar para depois. Quero te ver chegar amanhã e só. O barulho lá no quarto imita os sons lá de fora, da calçada, e você veio deitar-se aqui. Bem aqui. No aconchego desses olhos que não se cansam de mirar cada hesitação tua. Até meu sorriso. Seja bem-vindo. Encantada. É um prazer conhecer você.

terça-feira, 1 de março de 2011

Sonhador singular de nós



À Tadeu,
olhos carinhosos que não deixam minha máquina de sonhos parar.













No final de tarde ganhei um sonho.
Sonho sonhado em outra cabeça.
Fervilhado em outro coração.
Contraído em outro corpo.
E adornado com preces minhas também.
Meu irmão me deu um sonho de presente.
Isto é que é presente de alegrar.
Sempre me mantive esperta para saber como eram fabricados os sonhos. Neste dia entendi.
A narrativa era simples, ele me contara ao telefone:
“Tínhamos um caminhão, muitos livros, nossas companhias.
Eram teus,
os livros.
Chegavam a livraria. Nova morada deles”.
Depois de escrevê-los os perdemos mesmo. Os livros vão ganhando outras casas.
De janelas e portas bem abertas para que não esqueçam o quanto são provisórias suas estadas. Livros inquietos e que estão sempre a trocar de pouso.
Que desmancham.
Já era uma escritora existindo no sonho que meu irmão me presenteou.

Meu irmão fez me dar um pedaço de sonho.
Uma porçãozinha de história contada.
E por não dar-me um sonho completo,
inteiro
me entregou também a liberdade para sonhar junto
para interferir nele e criar sem maiores limitações.
Imaginei paredes em xadrez para o nosso sonho.
Com uma praça e um café acolhedores.
Dia de usar casacos vermelhos e chapéus,
mas, querendo sentir uma frestinha de frio também.
Os sorrisos eram um acontecimento à parte. Desconcertante felicidade.

Pois é.
Não é mais importante saber se também fora assim que sonhastes, querido.
Teu presente nos fez sonhar à quatro mãos.
Outras tantas virão colaborar com esta nossa tarefa de invenção.

Digo que este sonho virou lenda
e que meu irmão passou a ser o responsável por ensinar à minha família
como se faz sonhos andantes.
Aqueles que vão sendo compartilhados com muitos
e que ao serem destinados a ti, convocam, imediatamente, toda a sua força de imaginar
para que possas esculpir seus tracejados também.
Ou pensas que é só ganhar um sonho e, pronto?

Tornou-se prática constante na minha casa dar sonhos de presente.
Ao meu irmão coube inaugurá-la e fazê-la firme.
O mais curioso é que, no fim, já não se sabe de quem mais era o sonho
se dele
se meu.
Trabalhamos juntos nossos ofícios nesta arte onírica, afinal
Para quê mais seríamos irmãos, senão,
para sonharmos juntos e
darmos ao outro seus pedaçinhos de presente.