segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Quase um Lar



Tirei esta idéia hoje.
Agorinha!
Nem precisou de muito para me fazer acreditar no avesso de minhas metodologias.

Quase letra
Quase erro
Quase um tropeço para uma quase nova aprendizagem
Invasão quase devastadora
Pura, pura paixão com quase cheiro de flor.

Quase texto
Linguagem quase completa
Aquele minutinho antes do todo - aquele quase que não salva, não condena e não adverte porque é um quase feito só de tempo
Quase fora do relógio
Quase uma metáfora
Quase muito perto de ser-conceito, livre pro pensar.

Quase provocador que nem nome tem
Quase nada de identidades
Voz quase rouca e risada solta
Amizades por uma quase estrada de sol que pulsa
Fragilidades, movimentos, e isso tudo quase ao contrário
Quase poesia com motivo único de ter vindo:
convite para uma quase outra realidade
traçar com delicadeza (das que fazem as cortinas saírem do lugar e viajarem) dobras, curvas,
vontades de sentidos,
indiscretas inverdades inventivas,
Quebras de linguagem, ondas confusas entre dentro e entre fora
Quase nada falta
Veias de quase pura possibilidade.

Neste quase, as dicotomias estão em baixa,
a temporada anda fria para elas.
Aqui, quase uma interrogação
que encantada, não deseja mais transformar-se em afirmação
ou negação.
Longe de covardias, o quase é terreno fértil para criação.
É a melhor parte.
Pura força num processo imprevisto,
intempestivo durar.

Quase lugar de sossego
Amores na corda bamba da quase dor
Meu quase que nada tem de natural
Arrebatamento para além e aquém das certezas.

Fico sim!
Por quase todo o tempo
na companhia desta quase existência poética,
para sempre sentir esta quase necessidade de continuar a escrever,
a rodar com as letras, a "pregar peças" na língua,
a desdobrá-las num plano ainda quase desconhecido,
repleto de estrelas e peraltices.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Doces e Travessuras


A verdade era que já percebia a escrita como sendo feita de caramelo,
bala puxa-puxa
do tipo que se apresentava graciosa, flexível e suave nas vitrinas das lojas de doces, em alguma rua, bem antiga da cidade
ou nas panelas das casas com coração de vó.
Contudo, não podia esquecer que após ter experimentado alguns saltos e balanços intempestivos pelos mundos de escrita
aprendera que apesar de sua aparência brilhosa e convidativa, escrita nem sempre tinha gosto adocicado.
Nem sempre era tirada por gostosura de puro açúcar.
Pensava que se a escrita tivesse somente este paladar,
não demoraria tempos,
logo poderia causar aquela sensação enjoativa e estanque de quando deixamos de nos surpreender com os sabores, e de pronto,
já definimos conceitos e certezas para os tais.

O que mais a encantava nesta sua aventura de misturar escrita, caramelos, lojas de doce, balas que esticam e voltam,
tinha gosto de incerteza
de palavras maleáveis, mágicas dos sentidos,
como uma escrita que podemos mastigar, fazer mudar de forma, lançar de um canto para outro,
amassando-a e a desdobrando com o vigor semelhante aos daqueles que trabalham o alimento com paixão.
Não era motivo de medo nem preocupação, encontrar-se com a escrita nos dias em que ela lhe parecia cortante e fazia o corpo querer se encolher,
porque ali ela também crescia.
As reviravoltas que a escrita trazia nas tempestades de som desconhecido
atingiam léguas.
Iam dos pensamentos até os movimentos vitais
das janelas aos corredores mal iluminados
Trópicos de câncer, de capricórnio
no fundo de si,
Fundosuperfície num espaço único,
tumultuado e alegre por estar inventando um ser-escrita, agora com fronteiras tênues de homem que escreve e sofre escrita.
Por risos que escapam, transbordam
lá vai ele, artesanalmente, fazendo e sendo feito por agulhas que costuram escrita
e logo, vai se tornando tão mais homem,
tão mais doce
tão mais caramelo.


Foto: Eugène Atget
Boulangerie, 48 rue Descartes