segunda-feira, 12 de julho de 2010

Abuela


Eu não estava lá, mas aposto 5 estrelas cadentes que minha vó nascera em dia de sol.
Numa manhã com cheiro de biscoito e com barulho de feira
e das panelas na cozinha que não nos permitiam ficar impassíveis aos encantos das gostosuras que somente seu coração, recheado de prazer e encantamento,sabia inventar.
De seu pequenino tamanho pouco ultrapassou, mas suas mãos e seu abraço...ah! estes eram feitos com a matéria prima mais ilimitada, mais dançante e sorridente.

Suas conversas e carinho eram, vovó, sua melhor culinária.

Sabias como ninguém fazer sabedorias,
e para nós era difícil entender de onde vinham.
Se dos diversos livros que amavas, se do trabalho ao qual tanto se dedicou, se dos encontros que teves com esta família,
destino de seus maiores e mais cuidadosos afetos.
Se das mais diversas peripécias que os muitos que compartilhavam de sua casa colocavam em funcionamento.
Muitos de sangue, é verdade, porém, outros muitos mais que em sua casa estavam porque dali algo nascia, se movimentava.
Uma força, uma inquietação.
Um vigor e curiosodade por tentar fazer da casa, espaço que para muitos retringe-se apenas ao particular, ao que se justifica na privacidade e no segredo, lugar de crescimento, de pululação de sentimentos e pensamentos.
De chamar os que precisassem ou quisessem à experimentar a mesa e a comida da casa de Dona Nair.
Dali saiam todos bem alimentados.
Dos pratos deliciosos da vovó e das conversas que iam de política à literatura, passando pela música, artes, futebol.

Talvez, vovó, a intensidade de tudo o que sabias contar e ensinar tenha também se fortalecido no aconchego dos momentos vividos com vovô Valdelino, dos quais sempre sentiras saudades, não é?!
Agora somos nós a sentirmos saudades em dobro.

Contudo, descobri uma forma muito agradável e simples de lembrar-me de vocês.
Além de passar em frente a casa na esquina da Rua Ana Machado e dar um golpe de vista rápido para a varanda da frente, onde minha mãe e tios foram criados por vocês
e deixar que as lembranças, mesmo aquelas mais distantes e apagadas, afirmem novamente os laços e os encantos de nossa "família de muitos", tenho outra forma de sentí-los perto: entrar numa biblioteca, respirar seus ares, olhar seus visitantes e buscar textos como os de Máximo Gorki ou de Josué de Castro.
Ali encontrarei vocês mais uma vez.
O brilho das palavras da vovó e o maravilhamento do pensar do vovô.

Trago por fim, um conto escrito pelo moçambicano Mia Couto, cujo o título leva o nome de "A Adivinha". Nele, a avó, que sempre indagava sua neta com charadas e inteligentes perguntas, renova esse exercício inquirindo sua netinha sobre qual seria o rio que não corre por entre duas margens?
A menina não sossega. Pensa, pensa, deita, levanta, dorme, brinca e pensa mais uma vez. Seus pais achavam que sua avó não era "boa companhia", afinal enchia a cabeça da criança de coisas sem importância e acabava fazendo-a esquecer dos deveres e responsabilidades da escola.
Sua avó termina doente e a menina termina
por achar a resposta da inquietante pergunta.
Corre, às pressas, até a casa da vovó, segura sua mão já quase sem força e diz:
"É o mar, vovó! É o mar!"

Obrigada, vovó Nair, por ensinar-me que existem mesmo rios de uma borda só.

Pela delicadeza, por seus cabelos branquinhos e pela certeza de que sempre valerá à pena amar, lutar e sonhar.

Um beijo, abuela.

Da neta
Poliana